5/01/2008

O RACISMO E O HAITI


Em 1789, ano em que ocorreu a Revolução Francesa, a colônia francesa de Saint Domingue (Haiti) era uma das mais prósperas do Caribe. Existiam no Haiti 783 engenhos de açúcar, 3.117 fazendas de café, 3.151 fazendas produtoras de índigo e 789 fazendas produzindo algodão.

Como decorrência da Revolução Francesa e da Declaração dos Direitos do Homem, e devido à indiferença com que os legisladores franceses tratavam seus pedidos de reconhecimento como cidadãos, os homens livres de cor da colônia se revoltaram. Como os mulatos ricos se recusavam a armar ou libertar seus escravos, seus líderes foram executados em fevereiro de 1791, quase um anos após terem sido conferidos totais direitos civís às gens de couleur (pessoas de cor).

Em agosto desse mesmo ano (1791) os escravos do norte da colônia se revoltaram, começando o que se chamou a Revolução Haitiana.

A pedido dos fazendeiros brancos, começa uma invasão total do Haiti pelos ingleses. Os invasores foram rechaçados pelas forças revolucionárias chefiadas por Toussiant L'Ouverture.
Em 1798, Toussaint L'Ouverture era o governante de fato do Haiti.

Com um sonho de criar um império americano, Napoleão mandou invadir a ilha em 1802. L'Ouverture foi preso e deportado para a França, onde morreu de pneumonia na prisão.

O Visconde de Rochambeau, governador imperial da ilha, queria declarar todos os negros novamente escravos e executar pelo menos 30.000 dentre eles. Com a intenção de reconquistar a colônia e re-escravizar seus habitantes de cor, Rochambeau se lançou em uma sangrenta guerra, qual os prisioneiros negros eram enterrados vivos, enforcados, afogados, torturados, enfiados em buracos cheios de insetos e cozinhados vivos em caldeirões de melaço. Certa ocasião, o governador convidou para um baile as senhoras mulatas mais importantes da ilha, para anunciar à meia-noite que havia assassinado todos os seus maridos.

Os revoltosos respondiam com firmeza a essa violência. Como foi o caso quando as tropas imperiais enterraram vivos 500 prisioneiros depois de uma batalha e os revolucionários como resposta enforcaram 500 soldados. Em novembro de 1803, na Batalha de Virtìeres as tropas imperiais foram dizimadas e em janeiro de 1804, Desselines, lider revolucionário declara a independência do Haiti, que compreendia na época a totalidade da ilha de Santo Domingo.

Mas o que ajudou mesmo a revolução foram a malária e a febre amarela. Somente a febre amarela dizimou 24.000 soldados franceses.

A parte espanhola da ilha, Santo Domingo, havia sido conquistada em 1801 por L'Overture e a ilha permaneceu unida até janeiro de 1922.

Logo após a independência, são massacrados 3.200 franceses moradores da ilha e os brancos ficaram proibidos de possuir terras. Tudo isso como decorrência da invasão inglesa que haviam atraído e do apoio às tropas imperiais.

Com a normalização da vida economica do Haiti e o progresso que estava sendo conquistado, 6.000 pretos livres norte-americanos emigraram para a ilha. O presidente haitiano, Boyer, pretendia fomentar as relações comercias com os Estados Unidos e modernizar a agricultura com a inclusão desses emigrantes na sociedade haitiana.

Mas, a economia haitiana, que já havia sido destruída com a guerra revolucionária e sofria com as dívidas externas que haviam sido contratadas para conseguir o reconhecimento da independencia haitiana pelos franceses, bem como para a recuperar a produtividade perdida, teve de enfrentar um novo inimigo.

Em 1910/1911 o First National City Bank of New York (o Citi de hoje) encabeçando um consórcio de bancos americanos e com o apoio do Departamento de Estado americano, comprou o Banque Nationale d'Haiti, único banco haitiano, assumindo assim o controle da economia e do tesouro haitianos.

Em 1813, o presidente Boyer é derrubado.

Em 1915, os Estados Unidos, respondendo as reclamações de bancos americanos, e com ordens expressas do presidente americano Woodrow Wilson ocupa o país, ocupação que durou até 1934.

Essa ocupação que só visava o interesse próprio americano e foi brutal, foi disfarçada com a Assembléia Nacional Haitiana, sob a supervisão dos Fuzileiros (Marines) americanos, elegendo um presidente. A seguir foi imposta uma constituição elaborada por funcionários dos Departamentos de Estado e da Marinha dos Estados Unidos. A segurança continuou contando com a "colaboração" dos Fuzileiros americanos. Foram modernizadas as estradas para permitir o melhor deslocamento das tropas americanas pelo interior do país. O controle das finanças externas haitianas continuou sob os americanos até 1947.

Todos os três presidentes eleitos durante a ocupação americana pertenciam à minoria mulata, que os americanos considervam mais "civilizados" que os negros haitianos. Claramente ligando civilização à cor da pele: quanto mais branco mais civilizado.

As eleições "livres" continuaram até 1946, quando se iniciou um ciclo de ditadores.

Em janeiro de 2004, com o objetivo de terminar levantes no Haiti foi enviada uma Missão Pacificadora, encabeçada por tropas do Exército Brasileiro. Durante a ocupação pacificadora, foi promovido um massacre em Cité Soleil pelas tropas "amigas", até hoje mal explicado.

Em fevereiro de 2006 foram promovidas eleições livres no Haiti, das quais saiu vitorioso René Préval com 51% dos votos. Préval assumiu a presidência em maio de 2006.

Durante todo esse período de luta pela liberdade e pela independência, bem como durante sua existência como nação, o povo do Haiti tem assistido impotente à destruição de sua economia.
Tropas inglêsas, tropas imperiais francesas, tropas americanas e tropas brasileiras têm invadido o país nesses mais de duzentos anos.

A Grande Depressão de 1929 destruiu o pequeno progresso alcançado pelo Haiti até então.

A população da ilha tem sofrido todo tipo de violência e tem sido sistemáticamente assassinada, seja por tropas invasoras ou seja por ditadores sanguinários. Os haitianos já tiveram até seu sangue vendido para crescimento da fortuna pessoal de seu ditador de plantão.

Certa vez assisti à chegada de um vôo procedente do Haiti lotado de trabalhadores temporários para a lavoura canavieira da Flórida. Foi uma das coisas mais tristes que testemunhei. Aqueles homens simples, muito pobres sendo levados através do aeroporto e embarcados em ônibus especiais, sem ao menos poderem usar os banheiros do Aeroporto Internacional de Miami. Assistindo com se estivessem com os narizes encostados ao vidro de uma vitrine que exibia produtos e luxos que nunca poderiam possuir ou usufruir. E esses eram os felizardos. Os privilegiados que tinham um salário (provavelmente miserável), mesmo que fosse por parte do ano.

Pois a metade da população do Haiti sobrevive com US$1,00 (um dolar americano) por dia.

E essa miséria agora está crescendo devio aos aumentos dos preços dos alimentos. Somente neste último ano o preço dos alimentos dobraram no Haiti.

Acabamos de assistir desde o último dia 4 de abril aos levantes causados pela revolta da população, aonde morreram pelo menos seis pessoas e teme-se mais fome e mais revolta no futuro próximo. E a revolta popular ainda não foi contida. Estradas têm sido bloqueadas e tropas de segurança atacadas. Tropas americanas abriram fogo contra a população. A segurança pública da ilha está com perigo de desaparecer, fato que tem preocupado o Presidente da ONU.

O Programa Mundial de Alimentos (World Food Programme) acaba de pedir a seus membros US$54 milhões de dolares para tentar remediar essa situação, com a compra de 50.000 toneladas de alimentos.

Esperemos que países como a Venezuela que investem milhões de petro-dolares para desestabilizar todos os países da América do Sul, tenha a humanidade de desviar parte desses recursos para impedir que a situação do Haiti fique ainda mais desesperadora.

Esperemos que países que colaboraram ativamente na destruição da economia haitiana, como a França, a Inglaterra e os Estados Unidos tenham a decência de colaborar também.

Esperemos que os Estados Unidos, responsável pela administração criminosa das finanças externas do Haiti por quase 40 anos tenha a decência de tentar remediar a destruição que causou.

Esperemos que a República Dominicana, aonde foram assassinados milhares de emigrados haitianos durante a ditadura Trujillo, nem que seja por interesse próprio, venha também a contribuir para a resolução do problema. Pois não há cerca de segure uma população esfomeada. Não há exército que impeça a invasão de epidemias em um país.

Esperemos que o Brasil, cujas tropas mantiveram a paz no Haiti não esqueça que tem uma obrigação moral de contribuir para a busca de uma solução. Não é só Cuba que necessita de favores. Não é somente a Bolívia que necessita da boa vontade do governo brasileiro. Pelo menos o Haiti nunca expulsou brasileiros, e nunca descumpriu contratos de energia com o Brasil.

O Haiti tem sofrido em seus duzentos anos de independência pelo fato de ser o primeiro país negro das Américas. De tentar ser verdadeiramente independente. Nunca se permitiu que essa república negra fosse economicamente viável, talvez por medo do exemplo para outras populações negras das Américas.

Já estamos assistindo a um verdadeiro genocídio das populações negras de todo o planeta. Seja a desesperança e desespero dos negros americanos, vendo seus jovens serem destruídos pelas drogas ou pela guerra suja pelo controle de seu tráfico. Seja a impotência da população negra brasileira com centenas assassinados pela polícia ou pelo tráfico nas favelas. Seja pela fome devastadora no Sudão. Seja pelas guerras civis na África, fomentadas por interesses nunca totalmente revelados.

Já assistimos ao abandono da população pobre predominantemente negra de Nova Orleans pelo Governo Busch. Já assistimos à relocação em massa dessa população com um claro objetivo eleitoral, que conseguiu-se impedir.

Não podemos deixar que o mesmo se repita em um país americano. Não podemos deixar que a morte por falta de socorro e de alimentos venha a destruir o pouco que resta do Haiti. Não podemos continuar a admitir que a morte de populações negras seja ignorada como assunto de menor importância.

Se qualquer dos fatos que relatei acontecesse com um país "branco", a imprensa mundial teria dado cobertura total e teria exigido providências imediatas, e a opinião pública dos países ricos teria obrigado seus governos a encontrar uma solução.

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