
Minha primeira viagem para o Rio de Janeiro foi com minha avó Aída, mãe de minha mãe.
Meus bisavós, pais dela, tinham um apartamento na esquina da rua Constante Ramos com a avenida Nsa. Sra. de Copacabana, no primeiro andar. Ficava a dois quarteirões da praia e a um quarteirão e meio do primeiro Bob's, na rua Domingos Ferreira.
Foi lá que eu aprendi a jogar buraco com minha bisavó Belita e com minhas tias-avós Lucy e Candóca. Meu bisavô jogava bridge com um grupo de amigos, mas só em São Paulo.
Não me lembro do ano da primeira viagem mas fui para o Rio, pelo que me lembro, todos os anos de 1954 a 1958, no mes de julho. A família fugia do inverno em São Paulo que era muito frio naquele tempo, com muita garôa.
Uma irmã de papai era casada com um senhor português, tio Carlos, que trabalhava como diretor da Monteiro Aranha e tinha um filho uns dois ou três anos mais moço do que eu, o Carlos Eduardo. Eles moravam na Rua Domingos Ferreira num apartamento muito bom mas, num desses anos, creio que em 1957, mudaram para um apartamento enorme na Avenida Atlântica, de frente para o mar, a dois quarteirões do apartamento da vovó Belita.
Vovó tinha uma prima, que eu gostava muito, chamada Laurita. Laurita era neta do Ramos de Azevedo. Ela tinha herdado com a morte de seu pai, tio Ernesto, uma casa na Avenida Atlântica, na esquina com a rua da Igreja Nsa. Sra. de Copacabana. Quando a casa foi construída ainda não existia a avenida e a casa dava para a areia. Era um bangalô delicioso que tinha um terração dando para as duas ruas, com uma balaustrada de madeira pintada de marrom. Essa casa foi uma das últimas da avenida Atlântica a ser demolida. Do lado direito da casa, também de frente para o mar, Laurita tinha um prédio de aluguel de uns oito andares, o Prédio (ou Edifício) Ernesto de Castro.
A um ou dois quarteirões da Igrejinha de Copacabana ficava o prédio das Lojas Brasileiras (ou eram as Lojas Americanas?) aonde tinha uma uma lanchonete no estilo americano. Eu ia lá com minha tia Cy (ou com Odette, empregada de vovó que ia conosco) comer cachorro-quente e tomar milk-shake. Foi o primeiro milk-shake que eu conheci.
Um pouco adiante ficava uma grande loja de frios que era servida por umas moças de Santa Catarina. Uma vez eu fui para o Rio com a minha babá, a Nelly, que era amiga dessas vendedoras. A Nelly, cujo nome verdadeiro era Tusnelda Radlof, era de Rio do Sul, Santa Catarina. Anos depois da Nelly ter voltado para o sul para se casar, ficamos sabendo por uma das amigas dela nessa loja que ela já estava casada e tinha uma "limosine" azul. Minha mãe, como sempre meio distraída, entendeu que ela já tinha um filho, um alemãozinho de olhos azuis.
Meu universo de criança terminava de uma lado do Copacabana Palace e do outro no Posto 6.
De frente para o Teatro Copacabana ficava o meu lugar favorito no Rio: o apartamento de minha tia-avó Norma. Tia Norma e tio Cincinato tinham um apartamento na esquina da Fernando Mendes com a avenida Nsa. Sra. de Copacabana. Com eles iam sempre minha tia Sarah, filha deles e as duas netas, Norminha e Cecília. Norminha e Cecília eram sempre muito animadas e, apesar de serem um pouco mais velhas do que eu, eram muito minhas amigas. Me lembro que elas ficaram conhecendo uns meninos que moravam num apartamento no andar de baixo do de tia Norma e elas ficavam se comunicando com eles através de uma cestinha amarrada numa cordinha em que mandavam mensagens e flores. Tudo isso era feito escondido para os adultos não ficarem sabendo.
Me contaram que uma vez estavam todos se arrumando para dormir quando passou um carro de bombeiro com a sirene ligada e todos em panico desceram como estavam, as mulheres de peignoir, com medo que o incêndio fosse no prédio deles. Quando chegaram na calçada, com bobys, lenço e camisola com pegnoires, notaram que não estava acontecendo nada. Imagine a cara com que eles ficaram.
Eu sempre ia à praia com minha babá, ou com Odette, mas uma vez não tinha ninguém para ir comigo e tia Cy, que era a caçula das irmãs e considerada uma menina, resolveu me acompanhar. Ela se vestiu como se vestia na década de 1910, com um maiô preto bem antiquado e por cima um roupão de seda amarrado na cintura. Parecia uma figura saída do Great Gatsby. E ela ia andando só na ponta dos pés. Tia Cy só usou salto alto por muitos anos, nunca andou descalça. Por isso os pés dela não ficavam mais retos. Ela não conseguia mais colocar o calcanhar no chão.
Me lembro que uma vez eu fui atropelado por um entregador de bicicleta na Nsa. Sra. de Copacabana, bem em frente do apartamento. Esses entregadores andavam em um triciclo, com uma caixa de metal construída na frente e com uma tampa em cima que abria para o lado. Na verdade o coitado só encostou a caixa em mim mas eu levei aquele susto. A Odette, que era muito brava, começou uma discussão com o entregador. Como era no Rio, não passou um minuto e já tinha uma pequena multidão seguindo a discussão e alguns homens começaram a brigar com o meu atropelador. Eu, muito curioso, fiquei assistindo de baixo a discussão, bem no meio dos dois. Tomei o maior banho de perdigotos da minha vida e quando acabou a briga, subi correndo para o apartamento gritando por um banho.
Bem na frente do apartamento ficava uma casa de secos e molhados. Era um armazensinho muito mal-cheiroso, sempre com uns bacalhaus secos encostados dos lados da porta. Se não me engano tinha um barril com azeitonas. Era muito sujo e muito diferente da Casa Tomé Rios ou da Mercearia Estados Unidos em São Paulo. Em São Paulo já estavam sendo fundados os supermercados Peg-Pag e as casas que vendiam comida tinham um padrão de limpeza muito melhor do que as do Rio. Agora, eu nunca vi bacalhaus tão grandes como naquele tempo. Eram maiores que uma pessoa adulta.
Meu bisavô, vovô Ataliba que já estava com uns 95 anos, começou a confundir o que estava acontecendo naquela época com fatos da juventude dele. Ele estava sempre tendo reuniões de Estado Maior com os companheiros de uma revolução do fim do século XIX no Rio Grande do Sul, da qual ele tinha participado. Não sei porque ele tinha o maior orgulho de me apresentar aos seus companheiros de armas, um por um, dizendo todo inchado, "este é o meu neto Adolphinho". Depois das apresentações ela gritava para a Clarice, uma empregada que estava com eles desde menina, sair para ir comprar pães para a tropa e trazer um café para os oficiais. Eu achava muito importante fazer parte dessas reuniões e não dava a menor atenção ao fato dos oficiais serem todos invisiveis.
Uma vez vovô, que era um homem de 1 metro e 40, com todo o cabelo e muito bravo, se sentou no lugar do motorista, o Joaquim, comigo no banco de trás, e ligou o carro e dizia: - "Eu vou entrar nesse mar com o carro." Ainda bem que ele estava tão agitado que o carro engasgou e morreu e deu tempo do Joaquim convencer ele a sentar no banco ao lado. Desta vez a caduquice dele me assustou.
Eu ia sempre para o Rio de avião. Voei em todos os bi-motores que faziam a rota. Para se ter uma idéia, o DC-3 era um passo mais moderno do que os aviões que serviam a rota. Vovó Aída adorava voar.
Uma vez tivemos que ir de carro com os mais velhos e com o Joaquim guiando. Era um horror. Levamos umas 18 horas de estrada, com uma boa parada no Clube dos 500, para recuperação.
Me lembro com muita saudade daquele tempo. Saudade e gratidão por terem me levado com eles nas férias para Copacabana.