Quando eu era criança existiam mais cinemas na rua Augusta do que em qualquer outro bairro de São Paulo.
Na esquina com a Oscar Freire tinha o Cine Paulista. O Cine Paulista tinha as poltronas de plástico listado de branco e preto com o debrum em vermelho, as cores da bandeira paulista. Era um bom cinema, confortável e bem frequentado. A gente comprava a entrada à direita da entrada. A fachada era toda de vidro. Quando se entrava, tinha um hall pequeno, com a baleira à direita.
Foi no Paulista que eu levei dois dos maiores sustos da minha infância e puberdade.
O primeiro susto: Eu estava assistindo um filme com o meu amigo Tony McCulloch quando de repente começou um fogo na frente da sala, bem em frente à tela. Foi um berreiro, todo mundo gritando fogo e correndo em direção à entrada. Eu tinha ouvido falar do perigo que era ser pisoteado em uma situação de pânico e tentei impedir o Tony de sair correndo sem sucesso. Mas consegui segurar um menininho. Eu tinha certeza que deixando a "manada" sair na frente ainda dava tempo para sair do cinema sem o perigo do corre-corre. E, assim foi. A minha poltrona ficou enxarcada de suor devido ao nervoso que eu passei. Mas o pânico eu venci. Verificou-se depois que era uma brincadeira de um grupo de estudante do Colégio Nsa.Sra. do Brasil. O filme recomeçou e nada do Tony. Eu, que tinha voltado para a sala de projeção, assisti o filme até o fim sozinho. O Tony eu fui encontrar sentado no carro, branco e envergonhado por ter me deixado sozinho no meio da bagunça.
O segundo susto: Eu tinha ido assistir um filme com minhas primas Maria Helena e Bel. Quando acabou a sessão, estava caindo um baita chuva. Eu, metido a cavalheiro, falei para elas esperarem no cinema que eu ia buscar o carro (fusca) no estacionamento. O Cine Paulista ficava uns três ou quatro degraus acima da calçada. Na calçada a enxurrada estava forte, mas isso era normal nas ruas que descem da Paulista. Assim que eu coloquei o pé no que pensei ser a calçada e era o segundo degrau ainda, a enxurrada jogou meus pés para o alto e eu cai deitado de costas e fui coberto pela água amarronzada. O difícil foi conseguir me sentar. Eu pensei que ia me afogar. Depois que consegui levantar da calçada, continuei até a galeria que leva da rua Augusta até a rua Barão de Capanema, aonde eu havia estacionado o carro. Eu estava pingando e minhas primas rirram muito de mim, sem se dar conta do perigo que eu havia corrido.
O Cine Astor ficava na esquina da rua Augusta com a avenida Paulista. Era a melhor sala de São Paulo. Era enorme. Suas poltronas eram realmente poltronas, com braços independentes das cadeiras ao lado. O espaço entre uma poltrona e outra dava para passar uma moto. E a seleção de filmes era muito boa.
Na Augusta, entre a rua Antônio Carlos e a rua Luís Coelho ficavam os Cines Majestic e Picolino. O Picolino tinha uma sala pequena mas bem confortável. Mas tinha um grande problema: quando passava o ônibus elétrico o chão tremia. Já o Majestica era mais velho, com o banheiro mais sujo dos cinemas da Augusta.
Abaixo da rua Peixoto Gomide, à direita, em frente da rua Costa, ficava o Cine Regência, que era passável.
E quase na esquina com a Antônia de Queiroz ficava o Maraxá. No Maraxá todo Domingo de manhão tinha a sessão Tom & Jerry e lógico, passei muitas manhãs ali assistindo o ratinho batendo no gato.
A grande vantagem da rua Augusta era o ônibus elétrico. tinha um ponto na avenida Brasil bem em frente da rua Atlântica, aonde eu morava. E cada um dos cinemas tinha o seu ponto em frente. Os ônibus elétricos eram limpos, vazios e passavam com intervalos pequenos. Graças a eles meus pais me davam liberdade de ir aos cinemas desacompanhado de um adulto.
O meu record de filmes seguido foi um dia em que assisti Natal Branco no Majestic, Sai de Baixo no Paulista e um terceiro filme no Regência. Eu e a Maria Helena saimos pela Augusta cantando a música de Natal Branco, bêbados de alegria.
Outra vantagem dos cinemas da Augusta era o lanches.
Pegado ao Paulista na Oscar Freire tinha o Frevo e na Augusta o Hot Dog.
O cine Astor tinha o Fasano dentro do próprio Conjunto Nacional.
Entre o Picolino e o Majestic tinha outro Hot Dog que depois virou Hot and Ice e no quarteirão de cima, o Frevinho.
Os mais mal servidos eram o Regência e o Maraxá.
Bons tempos.