
Minha bisavó, vovó Belita, morava na avenida Angélica, 1987 em São Paulo.
A casa foi construída pelo co-sogro dela, o Cel. Salvador Piza. Era toda importada da Europa, do projeto ao material de construção. Havia sido projetada para a família do vovô Salvador e era um palacete de dois andares.
No andar de baixo tinha um hall monumental de mármore dividindo a sala de jantar da sala de visitas e tendo ao fundo uma escada também de mármore com corrimão trabalhado em ferro e latão. no fundo do hall, embaixo da escada tinham duas portas: uma dava para o apartamento do vovô Salvador e a outra para um pequeno hall que levava a uma cabine de telefone, ao lavabo e com duas portas, uma dando pra sala de jantar e a outra pra enorme copa. Na copa descia uma escada de serviço que levava para a sala de passar no andar de cima e para o hall do segundo andar.
O apartamento do vovô Salvador tinha uma sala grande, um banheiro completo e uma quarto que dava para a frente da casa. A sala tinha uma porta de entrada independente.
No andar de cima, esse apartamento era replicado com o quarto de tia Lydia e tio Rangel, e o quarto de tia Stellinha.
Esse arranjo foi feito porque vovô Salvador tinha ficado viúvo. Minha bisavó Ritinha havia morrido em decorrência de problemas no parto da temporã, tia Stellinha.
Ele ficou viúvo mas manteve por muito anos uma amante francesa para a qual ele tinha dado uma chácara na alameda Santos, onde é hoje o Hotel Renaissance. Eu cheguei a ver essa chácara mas nunca entrei na casa.
Na crise de 29 vovô Salvador devia uma quantia alta para o seu co-sogro, vovô Ataliba, professor catedrático da cadeira de Pontes e Viadutos da Escola Politécnica, hoje parte da USP. Com a crise, preocupado com a dívida, vovô Salvador entregou sua casa para o vovô Ataliba.
Eu conheci a casa quando já era do vovô Ataliba e da vovó Belita.
Moravam com eles duas filhas: tia Candinha, solteira e tia Cy (Lúcia), viúva. E o filho da tia Cy, o Jorge com a esposa, a Yvonne.
Vários irmãos e irmãs da vovó Belita eram vivos e tinham muitos filhos. A casa de vovó Belita estava sempre cheia de gente. Não tinha um só dia que não viesse algum irmão ou sobrinho visitar.
E eu,morava a uns três quarteirões de lá, na rua Itápolis. Conosco na época morava minha avó Aída, mãe de mamãe e ela ia todos os dias tomar um chá com os pais e irmãs e me levava com ela.
Lá a gente encontrava a quarta irmã, tia Norma, que morava a dois quarteirão da casa da Angélica, na esquina da rua Sergipe com a rua Itacolomi.
As quatro filhas, as meninas, na ordem eram tia Candinha (ou Tatá), vovó Aída, tia Norma e tia Cy. As três primeiras nascidas em Bagé no Rio Grande do Sul e a caçula em São Paulo. Tia Cy se orgulhava de ser paulista e havia doado ouro para o bem de São Paulo em 1932 e ajudado no esforço de guerra da revolução de 32. A aliança de metal com os dizeres : Eu dei ouro para o bem de São Paulo, que ela usava no lugar de sua aliança de casamento (doada), hoje está comigo.
Meus bisavós gostavam muito de ópera e três das filhas tinham nome de ópera: Aída, Norma e Lucia. Por isso brincavam com a tia Candinha que o nome dela era: Um caso singular (ópera de Carlos Gomes).
Mas voltando ao tíltulo do Post. No funda da casa, atrás da garagem, havia dois galinheiros, um para as galinhas poedeiras e outro para os frangos. Todas as manhãs a Clarice, empregada da tia Cy catava os ovos que as galinhas haviam botado. E a Lázara, a cozinheira, quando queria fazer um frango para o almoço, ia até o galinheiro, escolhia um frango, torcia o pescoço, com um barulho enorme, depenava e pronto, carne de frango mais fresca era impossível.
Para chefiar os galinheiros tinham sempre um belo galo. Me lembro que uma vez o galo atacou a Clarice e deu esporadas nas pernas dela. Eu, pequeno fiquei muito impressionado e até hoje mantenho uma distância respeitosa de qualquer galo que eu encontre.
Na minha casa da Itápolis também tínhamos um galinheiro mas não me lembro de ver galinhas vivas nele.
Era muito comum na minha infância o espetáculo da matança de aves. Se compravam galinhas vivas na feira que as cozinheiras matavam na frente das crianças, para as quais o espetáculo era de uma atração que beirava o sadismo.
Mas espetáculo mesmo era na época do Natal, quando se comprava um perú vivo que embebedavam antes de matar. O perú saia cambaleando e caindo, tentando fugir da cozinheira. Esse se matava com uma faca bem afiada porque o pescoço do perú é muito grosso e forte para se torcer. E era aquela sangüeira.
Eram tempos em que a crueldade para com os animais era encarada como fato corriqueiro. Imagine se um dos meus filhos ou uma de minhas netas iria assistir impassivo, ou se divertindo, uma matança dessas.
Outros tempos, outra moral.