Desde que nasci até aos meus 7 anos, vivi na Rua Itápolis 1060, esquina com a Rua Itaquera.
Tinha na Itápolis a minha primeira turma. Era composta pelo Maurinho e o Horácio Faldini (o Horácio era amigo do Juca, meu irmão), o Joãozinho e, mais tarde, do João do Lado.
O Joãozinho morava exatamente em frente a nós, com seus avós. Não sei se seus pais tinham morrido ou não. Eu atravessava correndo a rua para brincar com ele e com os Faldini. Naquele tempo não passavam carros pela rua. Quando passava um, eu corria para olhar por cima do muro para saber quem era.
Quando eu era criança, eu fazia tudo correndo e caia sempre de cabeça, ou cara no chão. Uma vez , correndo da casa do Joãozinho para a minha, cai com a boca no meio fio. Tenho a cicatriz feita pelos meus dentes até hoje.
Foi na casa do Joãozinho que eu vi meus primeiros Volkswagens. Eram alemães, bem antes da Volks começar a montar carros no Brasil.
Encontrei o Joãozinho muitos anos depois, quando ele foi colega da minha prima Bel na Getúlio, no curso de Administração de Empresas.
Cruzei algumas vezes com o Maurinho. A última vez que nos encontramos foi no Bolinha, ele estava com o Horácio e eu com a Clarissa.
Certa vez, conversando com o vô Aaron (avô da Clarissa), fiquei sabendo que o Faldini pai dos dois, tinha vindo a Itália no após-guerra com uma carta de apresentação para o vô. Foi o vô que ajudou os Faldini a se estabelecerem em São Paulo e havia sido ele quem tinha arrumado a casa na Itápolis para eles.
Eu me lembro da mãe deles, Da. Maria (se não estou enganado), mulher muito bonita e muito educada.
O João do Lado, mudou mais tarde para a Rua Itaquera, bem ao lado da nossa casa. Naquele tempo, a separação das duas casas era feita por um aramado. Do nosso lado tinha uma cerca-viva de ficus. Meu primeiro contato com o João, foi numa guerra de esguichos através da cerca. Ele era aparentado do Joãozinho, logo vindo a fazer parte da nossa turma.
Passávamos todas as horas do dia em que não estávamos na Escola, brincando juntos.
Uma vez fizemos uma guerra de soldadinhos de chumbo no nosso quarto (meu e do Juca). Nós viramos as camas (patente) de lado para usarmos de trincheira e ficamos jogando os soldadinhos uns nos outros, divididos em dois "exércitos". O Joãozinho recebeu um soldado com baioneta na testa e ficou com o soldado espetado. Tivemos que pedir socorro pra mamãe e, não sei porque, nunca mais brincamos de guerra com os soldadinhos de chumbo.
Outra brincadeira era usando um burro de pelúcia com rodinhas. Da garagem da minha casa até o portão tinha uma ladeira (para mim muito escarpada). A brincadeira era montar no burro e rodar a toda até o portão, que servia para parar o burro. Algumas vezes nossa cabeça era envolvida na brecagem do portão.
Tinha um muro, ao lado do portão, aonde ficava a caixa do correio, que era o meu ponto de observação do mundo. Era fácil de subir usando a casinha dos relógios de luz, água e gás. De lá eu via o carteiro, os torcedores de futebol se dirigindo para o Pacaembu. De terno e gravata.
Nessa época, eu tinha uma babá italiana chamada Júlia, de quem me lembro apenas que tinha um hálito horrível. A Júlia estava noiva de um primo sapateiro, de sobrenome Matarazzo. A loja dele ficava na rua da Consolação, em frente do Cemitério da Consolação. Tinha do lado uma loja de espelhos chamada Ada e uma doceira, a Gerbeaud, aonde minha avó ia comprar brioche (uma de cada vez) para tomar com o chá.
Certa vez a Júlia e eu fomos visitar o primo. Eu fiquei esperando na loja, enquanto a Júlia foi com o primo para trás de uma cortina de chita estampada. Cansado de esperar e, provavelmente ouvindo algum gemido, olhei atrás da cortina. Lembro que tinha uma cama patente e o que eu vi acontecendo em cima da cama deve ter me assustado muito pois voltei sózinho para casa.
Eu tinha uns 3 anos na época e me lembro até hoje de como eu consegui chegar até em casa. Segui em frente pela rua do lado direito do cemitério, que começava bem em frente da sapataria, até a doceira Colmeia, aonde eu comprava cocadas, na Rua Mato Grosso. De lá virei à direita, até a casa da vovó Belita (minha bisavó) na Avenida Angélica. Atravessei a rua e fui pela Rua Goiás até a minha casa. Que sorte que o trânsito da época permitia essas aventuras.
A Julia casou com o primo e foi morar com ele num predinho do lado da Doceira. Certa vez fui com alguém visitar os dois.
A São Paulo da minha infância tinha muitos italianos. O falar paulistano tinha um cantado italiano, muito diferente do sotaque nordestino que tem hoje.
Eu comecei a frequentar o Externato Ofélia Fonseca com 3 anos. O Juca entrou para o Jardim de Infância com 6 anos. Eu era muito metido. Ganhei um avental igual ao do Juca e, quando tinha vontade, ficava algum tempo na escola, brincando na classe dele.
Voltei a frequentar o Jardim, dois anos depois, desta vez a sério, passando o dia escolar no Ofélia. Mas como não tinha idade suficiente para passar para o Pré-primário, voltei no ano seguinte.
Meus colegas no Ofélia eram o Hugo Amaral Gama, o Américo Marques da Costa, o Luiz Ezequiel Freire, o Zé Humberto, o Jorge Longo, o Silvio Avancini entre outros. As meninas eram a Eugenia Greco (com quem namorei alguns anos por volta de 1963), a Heleninha Gordo (filha da Helena Gordo e neta do Senador), a Helô Cavalcanti de Albuquerque (de quem certa vez cortei uma das tranças, num impulso incontrolável, na aula de trabalhos manuais), a Maria Pia Martinelli, entre outras.
Para chegar até o Ofélia, alguém me levava pela Itápolis, até uma ruela que ia até a Rua Bahia, pelo lado esquerdo do Ofélia. Da Itápolis, eu subia sozinho pela ruela. Na volta, eu vinha com o Juca, os dois desacompanhados.
Que maravilha era ser criança naqueles tempos. Podíamos andar sozinhos, tinhamos a liberdade de brincar na rua, conhecer os vizinhos. Bons tempos,