3/14/2008

Memórias 4 - A voar, a voar, a voar


Comecei a viajar de avião muito criança, antes de 1954. Meus bisavós, Belita e Ataliba, tinham um apartamento na rua Constante Ramos esquina com Nsa. Sra. de Copacabana, no primeiro andar. Lá, eles passavam os invernos para fugir da frio de São Paulo. Vovó Aida me levava para passar as férias de julho com eles. Mas nós íamos de avião, ao contrário dos pais e das irmãs dela que iam de carro, numa Dutra que tinha uma pista só, com o Joaquim motorista (que havia sido menino de cocheira da casa da Angélica antes deles terem comprado a casa), que dirigia a 50 por hora, com a tia Candóca (a solteirona) reclamando e mandando ir mais devagar e tia Cy (a viúva, mais cordata) controlando os ânimos dentro do carro. Eles levavam mais de 18 horas, sempre com a parada obrigatória no Clube dos 500. Chegando no Clube dos 500 tinha um outdoor da Vasp que dizia que você tivesse voado pela VASP você já estaria no Rio a X horas.
Nossas viagens foram feitas antes da Ponte Aérea, quando várias companhias ligavam Congonhas ao Santos Dumont. Me lembro de juma delas, a Real Aéreovias Brasil, que era produto da fusão da Real e da Aérovias Brasil, e cujo símbolo era um corcundinha, como o coringa que vinha em alguns dos baralhos da época. Creio que viajei numa das duas originais, ou talvez nas duas, porque me lembro do corcundinha antes da fusão.
Outra irmã da vovó Aida, a tia Norma, ia com o marido, tio Cincinato, a filha, tia Sarah e as netas, a Norminha que era uma belezinha, doce, doce e a Cecília. Eles ficavam na Rua Fernando Mendes com a Nsa. Sra. de Copacabana bem atrás do Copacabana Palace, aonde tinham um belo apartamento.

Meu primeiro turbo-hélice foi um Viscount da Varig, em julho 1959, num vôo entre Congonhas e Porto Alegre. Fui com meus pais e meu irmão Juca encontrar minha tia-bisavó Sarah, irmã mais moça de vovó Belita e nossa extensa família gaúcha. Fiquei conhecendo os filhos e netos de tia Sarah, outros sobrinhos de vovó, entre eles a Záira, filha de tia Germana Assis, outra irmã de vovó.
Tive mais contacto com tia Sarah, quem eu já conhecia de vistas anuais a São Paulo, e a Sarinha (filha dela) e o Delmar Araújo Ribeiro que com os filhos moravam no mesmo prédio na Avenida Independência. Eram quatro filhos, a Anna Maria, que já era casada, e por isso encontrei menos, o Caio, o Paulo Odone (que é hojeou foi Presidente do Grêmio FC, deputado estadual e Presidente da Assembléia Legislativa Gaúcha) e a Bebé, que tem a minha idade.
Para voltar resolvemos ser aventureiros. Papai comprou uma Rural Willys e mamãe umas calças Rancheiro para mulher, que não tinha ziper na frente. Subimos até o Vale do Itajaí e de lá pegamos a rodovia BR 2 (pelo menos na época) que estava sendo aberta e ainda não tinha sido asfaltada, na qual viajamos a baixo de chuva, com lama até o pescoço, derrapando, sem postos de gasolina, sem banheiros nem nada.
Dormimos em Curitiba, que nos deu uma impressão de volta à civilização e de lá até São Paulo viajamos sem maiores obstáculos.

Meu primeiro jato foi um Boing 707 da TWA no qual, em julho de 1960, fizemos Roma a Madrid. O segundo foi na mesma viagem, de Madrid ao Galeão pela BOAC, companhia inglêsa, que voava um jato muito mais incômodo e mais espartano do que o Boing. Tenho uma vaga lembrança de ter feito uma escala em Recife.
Meu irmão, que tinha ido para a Europa em 1958 com uma excursão do Colégio São Luiz, foi em avião da FAB que fazia uma escala na ilha do Sal e voltou num quadrimotor da Panair, com escala em Recife e levava um século na travessia.

Voei muito pelo Brasil de DC30, que era uma versão de passageiros de um avião que havia sido desenvolvido durante a Segunda Guerra. Era o fusquinha dos ares. Não era pressurizado e voava muito baixo. Quando estava na pista, o avião ficava com a cauda muito mais próxima do chão do que a frente. A gente embarcava pela parte de trás e escalava o corredor até os nossos lugares. Enquando voava, o corredor ficava nivelado. Me lembro que as janelinhas eram quadradas e que, como voava muito baixo a gente ia contando vaquinha a viagem toda. Pulava como um potro chucro e os passageiros faziam um coro de vômitos, que felizmente eram despejados nos saquinhos que eram fornecidos. E o vôo durava pra sempre.

A viagem mais comprida que eu fiz de DC3 foi para Brasília e para Dianópolis em Goiás (hoje Tocantins) em 1961. Brasília havia sido inaugurado no ano anterior (1960) e os prédios estavam todos rachados, cobertos por uma camada de pó vermelho. Ainda faltavam os mármores com que foram cobertas as laterais dos prédios dos ministérios e todos os jardins. Era desanimador, apesar de despertar muito orgulho. De Brasília fomos a Dianópolis. Dianópolis tinha como que umas 12 casas, se tanto, de frente umas para as outras, fechando os quatro lados de uma praça, coberta de capim. Papai havia recebido do governador de Goiás, Mauro Borges Teixeira, umas terras para abrir uma fazenda e nós, o Juca e eu, fomos com um amigo de papai o Cabral conhecer o local. O Cabral havia alugado uma casa na praça com antecedência e a mandado reformar, para que tivéssemos um mínimo de conforto. A reforma consistia de um chuveiro de água fria e uma privada dentro da casa e não na casinha no terreno de trás. O Cabral mandou por uma toalha na mesa que ficava no meio da sala e comíamos de garfo e faca, o que era um espanto na cidade. Na hora de jantar sentávamos na mesa e a cidade inteira passava em procissão, em fila indiana, por dentro da sala, entrando pela frente e saindo por trás, para nos ver comer. Comprimentavam e continuavam a andar. Às tantas, chegava os Coronel da cidade, que vinha de pijama, sandália sertaneja e chapéu. Ele comprimentava todos, sentava no sofá em frente à mesa e ficava assistindo à nossa refeição. As pessoas então comprimentavam o coronel primeiro, deposis nós três e iam embora. Assim foi todos os dias que estivemos em Dianópolis. Me lembro que naquela época haviam assassinado o Patrique Lumunba na África e o Cabral logo apelidou um menino negro que ajudava na cozinha, filho da cozinheira, de Lumumbinha. Tirei um fotografia nas terras com ele, que não sei aonde coloquei.

Gosto tanto de voar que não saio dos aviões. Fui um sem número de vezes à Europa voando pela BOAC, BEA, British Caledonian, Air France, Alitália, Swissair, Lufthansa, SAS, Finair, Ibéria e a TAP, além da Varig.

Tenho ido e vindo dos EEUU desde 1969 constantemente. Pela Panam, pela American e umas poucas vezes pela Varig.

Em 1995 voei mais de um milhão de milhas só pela American, tendo sido nesse ano um dos 10 passageiros que mais haviam voado pela companhia. Isso além da volta ao mundo que fiz pela Unitaded e British Airways no mesmo ano. Ainda voei pela Cathai Pacific em dois trechos na Ásia e pela companhia interna indiana em vôos dentro da Índia.

Foi tudo uma maravilha até o September 11 de 2001. De lá para cá, o que era um prazer passou a ser um martírio. A viagem que começava em casa com o prazer ansioso, e terminava com uma bela lembrança, passando por refeições saborosas, passou a ser um suplício. O aborrecimento e as filas da segurança nos aeroportos, o espaço cada vez mais apertado dentro dos aviões, as refeições incomíveis, os maltratos do pessoal de terra e da tripulação de bordo, que passaram a agir como autoridades policialescas, transformaram o que era um grande prazer em um sacrifício que só se faz para se alcançar o objetivo da viagem, seja Nova York, Miami, Londres ou Paris.
O que uma vez foi transporte de luxo, foi transformado em transporte de massas. Não porque as passagens sejam mais baratas, longe disso. A única coisa que aumenta na viagem é o preço das passagens,

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