
Papai foi a pessoa mais generosa que eu conheci. O que eu pedi ele sempre me deu sem, quase nunca, reclamar.
Mas nós tivemos alguns problemas durante a minha puberdade/adolescência. Eu queria e precisava de regras firmes para me guiar. Mas o papai não conseguia se resolver.
Por exemplo, eu pedia dinheiro, ele dava mas reclamava que eu estava pedindo muitas vezes. Então eu pedia uma semanada. Ele dava.
Passava um mes e ele esquecia e quando eu pedia a semanada ele vinha com a queixa de que eu estava sempre pedindo dinheiro.
Assim foi por vários anos. Como muitas vezes eu não precisava da semanada, o dinheiro ia acumulando e quando eu pedia lá vinha a reclamação de novo.
Como o dinheiro acumulava e a inflação era brava, numa ocasião nós combinamos que a semanada seria em dólares. A dolarização da semanada foi um desastre porque a quantia equivalente em cruzeiros ficava enorme e lá vinha a reclamação de novo.
Depois de muitas tratativas ficava combinado que eu pediria dinheiro quando precisassse e começava tudo de novo.
Eu sempre achei que se o papai negociasse com os estranhos com a mesma intensidade que ele negociava comigo ele teria ficado muito mais rico.
Nesse período um amigo meu, o Ronny Kopenhagen estava indo para a Inglaterra para estudar e sugeriu que eu fosse junto. Depois de muito insistir com o papai ele me contou em segredo que se esperava um guerra civil no Brasil e ele não teria a certeza de poder me manter no exterior enquanto durasse o conflito.
De qualquer forma, em 1963, cansado das negociações financeiro-monetárias e tendo sido reprovado por faltas pela terceira vez consecutiva no Colégio Rio Branco (3ª série ginasial) resolvemos que eu iria parar de estudar por algum tempo, trabalhar e fazer o Madureza de ginásio em 1964, quando eu teria 16 anos, a idade necessária.
Pelo menos a partir desse momento eu teria um salário e poderia viver dentro de um orçamento. E funcionou, desde esse momento eu nunca mais precisei dinheiro extra e nunca mais pedi dinheiro para o papai.
Foi assim que eu comecei a trabalhar com o papai primeiro no Banco do Commercio e Industria de São Paulo e depois na Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo, no gabinete do secretário.
Uma coisa ótima foi a oportunidade de assistir a 90% das reuniões que o papai participava, só não sendo permitido que eu assistisse as reuniões que ele mantinha com o Governador Adhemar de Barros, mas com quem eu estive várias vezes em outra ocasiões.
Devo ter falado muita besteira e devo ter deixado papai sem graça mais vezes ainda. Eu nunca consegui ficar calado por muito tempo e tinha aquela confiança que só a adolescência possui.
Para mim foi ótimo, conhecia uma número imenso de pessoas (políticos, banqueiros, empresários, etc.) que de outra forma eu não teria tido a oportunidade de conhecer e assisti de camarote o desenrolar de uma das páginas mais importantes da história brasileira contemporânea.
Eu sempre evitei falar muito desse período mas agora resolvi colocar nas minhas memórias antes que eu comece a me esquecer.
Para terminar: eu consegui o diploma de Madureza no Colégio Pedro II no Rio de Janeiro em julho de 1964. Voltei a estudar em 1965 no Mackenzie, aonde eu cursei o primeiro clássico por seis meses. No final de junho eu fui enviado por um diretor do Banco Português para a Europa com um recado para o papai e perdi um grande número de aulas, o que me levou a desistir do Mackenzie e deixar para fazer o Madureza de colegial mais tarde, quando eu tivesse a idade necessária. Nesse ponto da minha vida eu preferi continuar trabalhando e abandonar os estudos.
Até hoje não sei se fiz bem ou mal.