
Existem alguns momentos da história que, mesmo sendo muito importantes, passam desapercebidos pela grande maioria da população.
Quando a classe média brasileira, os empresários e as forças armadas se sentiram ameaçadas em 1961 pela ascenção de Jango Goulart à Presidência da República, vários governadores de estado começaram a conspirar para que com a derrubada do presidente pudessem desputar o cargo entre eles. Eram eles: Adhemar de Barros, governador de São Paulo; Carlos Lacerda, governador do Estado da Guanabara e Magalhães Pinto, governador de Minas Gerais entre outros com menos possibilidades de vitória.
Com o apoio discreto do Governo Americano a conspiração corria solta.
Papai, José Adolpho da Silva Gordo, era na época Presidente do Sindicato de Bancos do Estado de São Paulo.
Me lembro bem de uma reunião em 1963 que foi feita em nossa casa, na rua Atlântica, 318, na qual participaram donos dos três jornais mais importantes de São Paulo (O Estado de São Paulo, Folha de São Paulo e o Diário de São Paulo, respectivamente o Ruy Mesquita, o Octavio Frias de Oliveira e o Edmundo Monteiro), representantes de canais de TV, e representantes dos maiores bancos paulistas ( Gastãozinho Vidigal pelo Banco Mercantil de São Paulo S.A., Roberto Amaral pelo Banco de Commercio e Industria de São Paulo S.A., Maninho Whitaker pelo Banco Comercial de São Paulo S.A., João Ademar de Almeida Prado pelo Banco de São Paulo. Não me lembro se tinha alguém representando o Bradesco e o Banco Mercantil).
O assunto em pauta era como os jornais paulistas iriam fazer se o Banco do Brasil não mais rolasse a dívida que tinham com esse banco, no caso de apoiarem o golpe de estado que se estava planejando.
Não me lembro quem representava o governador Adhemar de Barros ou se não haviam convidado alguém do governo estadual.
Ficou decidido que os bancos dariam apoio financeiro aos jornais e ao governo de São Paulo no caso de um confronto armado, com uma condição: os bancos indicariam alguém para a Secretaria da Fazenda do Estado para controlar o uso dos fundos que fossem emprestados ao governo estadual.
Escolheram como representante o Presidente do Sindicato dos Bancos, meu pai, como esse interventor branco na Secretária da Fazenda.
Como Secretário da Fazenda, papai começou a preparar o Estado para a guerra civil que se esperava seria inevitável, chegando mesmo a emitir papel moeda estadual, que nunca chegou a ser usado.
A Força Pública paulista foi equipada e passou a constituir um exército de prontidão que era maior e mais bem armado do que o Segundo Exército.
O golpe começou no dia 1º de abril de 1964, quando o comandante das tropas do exército estacionadas em Minas Gerais, com total apoio do governador Magalhães Pinto (que queria passar para a história como o inventor da "Revolução"), começaram a marchar em direção ao Rio de Janeiro um dia antes da data combinada com os governadores de São Paulo e da Guanabara e vários outros comandantes do exército envolvidos no golpe de estado.
Os fatos que aconteceram a seguir são demasiadamente conhecidos para serem citados aqui, restando dizer que papai continuou com Secretário da Fazenda até 1966, quando se demitiu, cansado de lutar para manter a Secretária da Fazenda ao largo das politicagens e negociatas famosas no adhemarismo.
Papai se dedicou a partir desse momento ao um banco que havia comprado em 1964, 0 Banco Português do Brasil.
Em 1969, o então presidente militar, Costa e Silva tem um derrame ou algo assim e é substituído por uma Junta Militar.
Depois de muito confabularem, os militares decidiram "eleger" o Brigadeiro José Vicente de Faria Lima, ex-prefeito de São Paulo para o cargo de presidente. Papai que era ligado ao grupo de Faria Lima foi procurado por um amigo comum, o Jair, e convidado a assumir o Ministério da Fazenda do governo que estava sendo formado. Ele aceitou e ficou aguardando o anúncio da eleição de Faria Lima. Na noite anterior ao dia da aceitação por Faria Lima da nomeação, o brigadeiro tem um enfarte ou derrame (não me lembro direito) e morre, convenientemente para a ala Costa e Silva das Forças Armadas, que então nomeia o ex-chefe do SNI, General Emilio Garrastasu Medici como terceiro general-presidente do Brasil.
Esses dois fatos narrados, separados por alguns anos, tiveram uma conseqüência arrasadora em nossa vida. Mas isso fica para outra vez.
Escrevo esse texto "in Memoriam" de José Adolpho da Silva Gordo, meu pai, e do Brigadeiro Faria Lima, um grande brasileiro, perda irreparável para todo o país.
(Anotações para uma visão histórica dos anos da Ditadura Militar, parte 1)