8/09/2009

A Casa da vovó Calú (1926-2009)


Meu avô Gordo nasceu em São Vicente, em uma família originária de Piracicaba que havia mudado para Santos para comercializar café.

Com as morte de seu pai, meu bisavô, quando ele tinha apenas 3 meses de idade, ele acabou sendo criado por suas tias avós, tia Chiquinha Salles, tia Phina e tia Nenê. Tia Chiquinha era viúva e as outras duas eram solteiras.

Ele não pode fazer a Faculdade do Largo de São Francisco, como era o seu desejo, mas teve de começar a trabalhar muito moço, num tempo que não havia curso noturno e o trabalho era de, no mínimo, 8 a 10 horas por dia.

Seu casamento foi arrumado pela família, com uma prima em segundo grau, Calú, neta de Marianna da Silva Gordo, e orfã como ele, da família Nardÿ de Vasconcellos de Piracicaba e sobrinha do Conde de Pinhal.

Seu primeiro emprego, arrumado por um tio avô dos dois, o Senador Adolpho Gordo, foi como gerente encarregado de abrir a sucursal do Banco Francês e Italiano, em Santos.

Eles já tinham duas filhas, Carolina e Cecília e meu pai, José Adolpho nasceu em Santos.

Em 1925 foi transferido, como diretor do Banco, para São Paulo. E em 1926 começou a construção de uma casa em estilo francês néo-clássico, na esquina das ruas Pará e Ceará.

Bem na esquina ele construiu um belvedere com vista para o vale da Pacaembú, que ficava na antiga fazenda dos Jesuítas. Essa fazenda, quando os jesuítas foram expulsos de Portugal e Brasil, passara para a Corôa, o nome sendo mantido apenas pela tradição.

Desta casa minhas tias e meu pai saíram para casar, minha tia mais velho, Carolina em 1937 e meu pai em 1943. Não sei em que data tia Cecília casou.

Vovô Gordo construiu para a filha mais velha uma casa no loteamento que estava para ser aberto pela Cia. City nas terras da fazenda dos jesuítas, que passou a ser chamado de Bairro do Pacaembú.

O terreno que ele comprou da Cia. City era em frente do belvedere da rua Pará, a 100 metros da rua Ceará, na rua Avaré.

Com a morte de tia Carolina em 2003 eu passei a morar na casa da rua Avaré, com vista para a casa da rua Pará.

Meus avós morreram os dois em 1961. Vovô em janeiro e vovó Calú no dia 21 de outubro, dia do aniversário de meu pai.

A casa ficou desabitada, mas completamente montada por alguns anos. Tia Carolina não tinha coragem de desmanchar a casa e tia Cecília, agora viúva de tio Carlos vinha para São Paulo e ficava na casa.

Em um dado momento os três resolveram vender a casa. Quem comprou foi uma construtora que colocou seus escritórios lá por muitos anos, tendo mudado de lá a poucos anos atrás.

Com a casa vazia, minha filha Calú visitou e tirou fotos por dentro e pro fora que eu não sei aonde foram parar.

Era a minha presença de todo dia, aquela casa branca, bem acima do nível da rua Ceará.

Uma vez, este ano, chegando de Miami, aonde eu resido agora, vi que a casa tinha sido demolida.

Foi demolida em um dia. Na sexta-feira antes de minha chegada, no fim da tarde, a casa ainda estava de pé. No domingo de manhã, quando eu cheguei, a casa não existia mais.

É triste, quando eu acordo toda manhã com o bate-estacas fazendo um barulho enorme, lembrar que a casa que meu pai passara a infância já não existe mais. A casa aonde meu avô e sua família ficaram em prisão domiciliar "branca", com tropas acampadas no jardim, por causa de revolução de 32. Aonde nós, os netos passamos tantas tardes. A casa que desapareceu em apenas um dia. Oitenta anos de nossa história familiar demolidos em um sábado apenas.

Provavelmente o que vai sobrar são estas memórias.

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