11/24/2013

CLARICE

Meus bisavós moravam numa casa de 3 andares na Avenida Angélica, 1987. Era uma casa com projeto e materiais importados da França e construída por um outro bisavô meu, o Cel. (Guarda Nacional) Salvador Piza, o homem que mais plantou pés de café no Brasil. Com a crise de 29, vovô Salvador ficou devendo dinheiro para vovô Ataliba e, não querendo prejudicar o co-sogro, deu a casa em pagamento.

Nessa casa moravam os meus bisavós Belita e Ataliba, a filha solteira Candóca, uma filha viúva, Lucy, por algum tempo, o filho dessa, Jorge, e vários empregados.


Entre eles estavam o Joaquim e a Lázara, a quem já falei em um post anterior e a Clarice.


A Clarice era uma mulata clara, de olhos azuis, filha de uma escrava gaúcha e de um alemão. Foi babá do Jorge e mudou com tia Lucy para a Angélica quando esta ficou viúva.


Clarice tinha uma irmã, a Eliza, que trabalhou a vida toda para uma família no Rio Grande do Sul e que vinha de vez em quando visitá-la em São Paulo. 


Muitos anos depois da Clarice ter morrido, meu irmão, o Juca, viajou com um casal de gaúchos que eram da família para quem a Eliza trabalhava. Foi muito interessante trocarem histórias, pois todos só conheciam metade dela, e ficavam imaginando como seria a outra família.


Mas estou me perdendo, saindo da história que eu quero contar.


A Clarice morava no sótão da casa, no terceiro andar, e andava arrastando umas chinelas de feltro pela casa.


Minha bisavó, após tentar vários óculos de leitura, chegou à conclusão de que os óculos da Clarice eram os únicos com os quais conseguia enxergar bem.


Então, cada vez que precisava ler alguma coisa, mandava alguém pedir os óculos da Clarice.


E lá vinha a Clarice, do sótão, arrastando as chinelas, shic, shic, shic, escada a baixo com os óculos. E shic, shic, shic, de volta ao sótão.


Todo verão a família toda ia para o Rio de Janeiro, para evitar o "frio" de São Paulo.


Todos mesmo, incluindo o Joaquim, a Lázara e a Clarice.


Vovô Ataliba tinha um apartamento na Constante Ramos, esquina com Avenida Nsa. Sra. de Copacabana.


Vários invernos eu passei com eles no Rio, viajando com minha avó Aída de avião. Íamos pela Real, pela Aerovias, pela VASP, enfim várias companhias de aviação. Vovó era moderninha para a época e adorava voar.


Quem ficava incumbida de cuidar de mim era a Clarice.


Eu me lembro das camisas extremamente engomadas pela Clarice, que eu tinha que usar no calor carioca e esfolavam o meu pescoço. Lembro também da Gomalina que ela punha no meu cabelo e que derretia com o calor.


Mas, mesmo com essa tortura diária, eu não trocaria essas férias com nada no mundo.


                                           Da esquerda para a direita: Tia Candóca, vovô Ataliba, tia Lucy e vovó Belita
                                                     no apartamento da Rua Constante Ramos - 1952

 
Não era só a sensação de liberdade. Era também a convivência maior com meus bisavós e tia-avós, com suas histórias que não têm preço.

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