10/30/2013
Os filhos de Jango
#25/08/1961 – O DIA QUE MUDOU PARA SEMPRE O DESTINO DE DUAS CRIANÇAS:
A renúncia de Jânio Quadros agosto de 1961 marcou a história brasileira e, em especial, a
vida de duas crianças, filhos do então vice-presidente João Goulart:
João Vicente, 3 anos, e Denize, 2 anos, que estavam na Espanha, com a
mãe Maria Tereza Goulart, esperando que o pai concluísse a viagem à
China.
João Vicente e Denize Goulart dizem que as lembranças daqueles tempos
foram sendo formadas em suas memórias já no exílio, depois do golpe de
1964. “Só lembro pelo relato do meu pai. Aquele foi um momento muito
difícil”, afirma Denize. “Não tenho lembrança viva, mas de referência”,
diz o irmão João Vicente.
No entanto, não esquecem a desilusão e a dor, sentidas pelos pais, nos
acontecimentos que antecederam a posse de Jango na presidência em agosto
de 1961 e nos fatos que culminaram com o golpe militar de 31/03/1964.
Tanto João Vicente quanto Denize lembram das tristezas do pai, longe do
Brasil, depois do golpe de 1964, que – concordam todos – começou a ser
tramado ainda em 1961. “Por trás da conciliação sobrevivia a conspiração
que acabou por derrotar o governo constitucional”, afirma a filha.
Para Denize o pai era, antes de tudo, um nacionalista. “Se cometeu algum
erro, foi o de propor reformas para o país naquele momento”. Ainda
criança e adolescente, Denize contou que sofria ao ver a infelicidade de
Jango, por não voltar ao país. “Não podia voltar por ter acreditado num
projeto para o país”, ressalta a filha.
“Aqui na América Latina, os espaços para os que queremos e lutamos pela
democracia e liberdade estão cada vez mais reduzidos”, disse Jango ao
filho, quando golpes militares começaram a derrubar, também, os governos
do Uruguai, da Argentina, do Chile, da Bolívia. “Houve um momento em
que só restou o governo democrático da Venezuela”, lembra João Vicente
Goulart.
Ele entusiasma-se ao denunciar a participação do governo militar
brasileiro na queda dos regimes democráticos latino-americanos. “Fui
para o exílio com seis anos. À medida que crescia tomava conhecimento da
resistência dos latino-americanos às ditaduras”. Ele recorda que queria
saber por que não podiam “retornar à pátria”. E foi este questionamento
que o levou a lutar pela democracia.
Um ano antes da morte de Jango, em 1975, um grupo de extrema-direita foi
preso na Argentina e descobriu-se um plano para sequestrar os filhos de
Jango, como noticiaram jornais argentinos. O ex-presidente resolveu,
então, mandar João Vicente para Londres no fim daquele ano. Denize
seguiu em meados de 1976.
Pouco tempo depois, em 06/12/1976, o ex-presidente faleceria na
Argentina e os militares liberaram o corpo para ser enterrado no Brasil.
Mais de 30 mil pessoas tiveram que esperar a chegada dela e do irmão ao
Rio Grande do Sul, vindos de Londres, para se despedir do pai. Denize
ainda teve tempo de estender sobre o caixão uma faixa com uma única
palavra em vermelho: “Anistia”.
Até aquele instante, haviam se passado mais de doze anos de ditadura
militar e a família Goulart já tinha vivido no Uruguai e na Argentina.
Denize fala com alguma tristeza sobre o exílio: “Sou brasileira. O
Brasil é a minha pátria, mas tenho identidade com o Uruguai”. Recorda
que foi alfabetizada em espanhol e passou a infância no Uruguai onde
tinha amigos.
“Sempre falo que a gente sofre com a falta de identidade, no exílio. É
estrangeiro no exílio e quando volta é estrangeiro. Não tem raízes”. Um
mal do qual não padecem suas filhas, Bárbara e Isabela, que sentem
orgulho de serem netas de João Goulart.
Fonte: Sul 21 e Instituto João Goulart. Foto: Revista Manchete.